Thursday, 31 March 2011

Electioneering (Português)

English version here.

Terça-feira, 31 de Março de 2011

13:15
Saltei há minutos para o comboio para Londres. Pisguei-me do trabalho, pedi boleia a uma colega para a estação de comboios e pus-me a caminho. O provável resultado é ir passar umas horas numa sala de espera até falar com um funcionário que me vai dizer que não pode ser, que cheguei tarde, que não preenchi o formulário correcto, que coiso e tal.

Com que objective é que me meto nesta agradável situação? Simples, para votar. Ou melhor, para me registar para votar. Com toda a admirável simplicidade, o Estado Português mudou o meu registo na segurança social, nos impostos e tudo o mais para a minha morada actual, em Cambridge. Na mesma altura, no Verão passado em Oeiras, informou-me também que tinha "tratado de tudo" sobre o recenseamento eleitoral. Simples.

Simples até que realmente tentei votar. No dia das eleições presidenciais vou ao consulado exercer o meu direito de voto. A primeira vez que voto no estrangeiro. Não há fila, só lá estão os funcionários. Grandes sorrisos: um jovem vem votar! As formalidades do costume, Cartão do Cidadão. Já não há sorriso: "o senhor não está inscrito aqui." Parece que "tratar de tudo" significa na realidade "retirá-lo do registo em Oeiras e o senhor tem que ir a Londres registar-se no consulado, até lá não vota."

E, uns meses depois, a oposição decide mandar o governo abaixo à primeira oportunidade. Ou primeira credível, a moção de censura do Bloco de Esquerda não conta. Não há crise (pessoal, não me estou a referir ao país), vou-me recensear no próximo Sábado. O Presidente não concorda. Quer anunciar a data das eleições hoje à noite ou amanhã. Assim que anunciar fecham os cadernos eleitorais. E pronto, lá me ponho a correr.

Não estou particularmente entusiasmado com nenhum partido ou candidato. Mas porra! Desta vez vou ter o direito de votar!

15:30
Cheguei ao consulado há pouco menos de uma hora. À entrada, uma senhora tenta explicar, em espanhol, que é portuguesa mas não tem os documentos. O segurança pergunta-me o que eu quero fazer e encaminha-me para "o guichet com aquele senhor cheio de cabelo". Depois de encontrar o guichet com um careca, explico que estou aqui para me recensear e entrego o Cartão do Cidadão. Lembram-se quando disse que em Oeiras os meus registos foram actualizados? Isso foi porque tive que fazer o Cartão do Cidadão que, entre outras coisas, serve para comprovar a minha morada. Daí o meu espanto quando o honorável careca me pede um comprovativo de morada. Fantástico. Tenho uma carta endereçada ao meu trabalho e outra endereçada ao meu College, em que morei antes. Não pode ser, não serve, diz ele, até que se lembra de me perguntar se estou inscrito no consulado. Não, não me quero registar no consulado, algo que não serve para nada, o que eu quero é recensear-me. Ah, mas para isso tem que se inscrever primeiro, vá falar ali com a minha colega naquele guichet. Ok.

Segundo guichet. Uma fila de espera que avança a passo de caracol. No canto, junto à entrada, houve um miúdo que vomitou. O edifício ao lado está em obras, ou então há lá alguém que se diverte a partir cimento. Mas daqui a duas pessoas sou eu. Isto ainda vai lá. A não ser que apareça o segurança, pergunte a quem está ali o que é que querem e diga que para isso é preciso senha, que ele vai dar. E foi assim que estou à meia-hora com a senha 85, e nesta meia-hora o número mudou do 80 para o 84. Quando chegar o 85 não me vou inscrever, não me vou recensear. Vou ser atendido na recepção.

Acho que demoraria menos tempo a pedir nacionalidade estrangeira. Um lado positivo: já pararam as obras.

16:30
O sucesso está perto!

Um pouco depois do último update, e com a senha ainda no 84, o careca faz-me sinal para ir ao outro guichet e falar com a senhora da recepção. Parece que tenho um aliado. A senhora admira-se com a minha senha: "Ainda há um 85?" Ela olha para o relógio, suspira e concede-me a honra de me ouvir. E agora não preciso só do certificado de morada, preciso de uma foto também. Há uma loja de serragens aqui ao lado que tira fotos e vou lá. Pelo caminho, decido dar o College como a minha morada. Afinal, ainda recebo lá cartas. Volto com as fotos, dou tudo e a senhora informa-me que pronto, ficam com os dados e irão processá-los assim que possível. Calma aí, mas assim eu posso recensear-me? É que o careca disse-me que podia tratar de tudo hoje. "Então espere um minuto que eu já o registo." E, por incrível que pareça, desta vez um minuto demora mesmo um minuto!

Dois minutos depois, de número de inscrição do consulado na mão, volto ao careca. O mesmo a quem há uma hora e tal estava a dizer que a carta que tinha era de uma morada que não era a minha. E o mesmo a quem tenho agora que apresentar essa morada como se fosse a minha. Ele olha-me e pergunta: "Mas essa morada é mesmo a sua?"

"Recebo lá cartas."

"Mas mora lá?"

"Já morei, agora não. Mas recebo lá cartas."

Entretanto já o consulado estava fechado, era eu o único lá dentro. Ele pede-me o Cartão do Cidadão, e nota que a morada que está no chip lá dentro é do Reino Unido. E que é outra. Ou seja, nota aquilo que eu tentei dizer desde o começo, que o Cartão do Cidadão tem a minha morada actual e correcta! Enfim...

Finalmente, fico recenseado e o careca ainda me pede para esperar que vai pedir ao patrão para assinar um papel para eu não ter que voltar ao consulado para levantar a confirmação de inscrição.

17:00

Enquanto esperava, o segurança pediu-me para ir para a entrada, que ele estava a fechar tudo. Ele nota o computador, trocamos dois dedos de conversa sobre Macs. Ele não é grande fã. Pergunto-lhe se muita gente se foi recensear, só para fazer conversa. Sim, diz ele, anda tudo numa confusão. “Mas também da maneira que isto está, não vai lá com eleições. É mandar tudo para a prisão. Rouba? Prisão com ele. É político corrupto? Prisão com ele. Isto só lá vai com uma revolução. É voltar à ditadura.”

E pronto, é com um funcionário do Estado Português a dizer-me que o Estado Português devia ser uma ditadura que a minha tentativa para me registar para votar termina. Eu vou ver se ainda apanho o Museu Britânico aberto e salvo a tarde.

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